Foi em Ponta Delgada, que D.Manuel I fez Vila em 1499 e D.João III elevou a cidade, por alvará de 2-4-1546, - por acto régio singular porque não era sede de bispado -, admitia-se, em 1515, a substituição da pequena Igreja situada no espaço mais amplo da Praça de então que, irregular, projecta faixa até ao edifício municipal, entre dois arruamentos. Iniciativa da Câmara Municipal, poucos e vagos são os documentos sobre a construção da nova Igreja paroquial, que é a Matriz evocada a S. Sebastião.
O risco da planta talvez tenha sido de um desconhecido mestre Lupedo, a quem coube a primeira empreitada da obra, para o qual enviou de Lisboa, próximo daquele ano, a pedraria calcária para os portais e colunas, assim como quem por ele os fosse aparelhando. Certo é que foram os canteiros reinóis irmãos Nicolau e André Fernandes os executantes daquelas estruturas, porventura também os responsáveis pelas demais cantarias da campanha original do edifício, cujo o ano de começo não é possível precisar.
Todavia sendo prática a construção de uma Igreja a partir da cabeceira, é admissível situar-lhe o principio próximo do ano 1530, antes porém, de 1533, data da nova empreitada arrematada por outros mestres, responsáveis pelos trabalhos de alvenaria e de carpintaria.
Para os paroquiais dos Açores, as despesas com as capelas-mores, sacristias, alfaias e outros objectos indispensáveis ao culto, eram de obrigação régia desde o reinado de D. Manuel (1495-1521) porque, sendo duque de Beja antes de subir ao trono tinha por herança henriquina do pai, o governo da Ordem de Cristo. Quanto ao corpo, elas corriam pelos paroquianos. Assim sendo, em 1532 D.João III encomendou os convenientes apetrechos liturgicos, concedeu verba, distribuída por quatro anos, para ajuda da obra e autorizou a Câmara da então Vila a aplicar na construção, a partir do ano seguinte e até 1545 – ano de conclusão desta Igreja -, parte do rendimento da imposição que cobrasse.
A arquitectura desta Igreja Matriz de S Sebastião de Ponta Delgada, realizada no referido período do reinado Joanino e actualmente possível de observar e admitir – por entre acrescentos e alterações – foi de cabeceira de três capelas quadrangulares diferentemente escalonadas, em que a capela-mor comunicava com as suas laterais através de amplo vão de volta perfeita suportada por colunelos. De moldura basáltica, estrutural e decorativamente diferentes, o par foi aberto no que constitui o cruzeiro do falso transepto contido nos limites dos absidiolos correspondentes à capelas do Santíssimo e à capela da Senhora do Rosário.
É por esse espaço transversal, assim inscrito que esta paroquial de S Sebastião – com a sua congénere da Terceira –pode ser admitida de planta em cruz latina, com corpo rectangular dividido em três naves e sete tramos por oito pares de colunas, cujos os fustes cilíndricos, talhados em pedra lioz e assentes em bases de mármore emolduradas inferiormente, foram rematados por capitéis de forma campanulada invertida, do mesmo material, com decoração classicizante. São suporte da arcaria plena sobre que se eleva, acima das naves laterais o segundo plano da central, rasgado por cinco pares de frestas. Irregulares relativamente aos cânones tradicionais de posicionamento, as do lado sul têm motivos decorativos góticos exteriores, de pedra local; moldura clássica as do alçado oposto. No tempo desta campanha de obras, houve encomendadores particulares que foram autorizados a construir capelas profundas nas naves laterais, para prestígio familiar permanente.
Na do norte, a que hoje é evocada a S Pedro, cujo o espaço tem porta para a primeira sacristia de encargo régio. Na do Sul, a sua fronteira dedicada ao Coração de Jesus, ambas abrindo para o tramo que entesta com o falso transepto. No interior assim admitido – e possível de comprovar – a Matriz de Ponta Delgada teve o corpo com cobertura de madeira. Foi prática comum nacional, que do Gótico severo medieval teve persistência quinhentista, em contraste com a complexidade do sistema estrutural e decorativo aplicado às cabeceiras. Ainda visível na Capela mor, cujo o arco cruzeiro – como os vãos das suas laterais – foi aberto na largura da respectiva nave, é de abóbada rebaixada de pedra, em dois panos arteseados com nervuras de desenho duplo estrelado de quatro pontas e quadrifólios centrais ao jeito de trevo de quatro folhas, de que os feixes segmentares – independentes dos tramos, com arcos formeiros quebrados nos alçados – rompem de mísulas (há pouco renovadas). Por complemento decorativo e funcional, teve florões no eixo principal e bocetos nos cruzamentos artesoados (também refeitos não há muito).
Por coerência, os absidíolos terão sido parte do mesmo tipo de abóbadas, de que nenhum vestígio nos chegou mas que logrou manter-se nas ditas capelas de fundação particular. Nelas a recuperação dos arcos exteriores trilobados e suas arquivoltas, apoiadas por colunelos assentes em envasamentos de composição geométricas, com intradorso de floralismos, visivelmente massacrados, não sendo modelo de interpretação correcta das formas nem do restaura executado, foi, contudo, acto de cultura e defesa, patrimonial do actual pároco, alargado quanto possível a outros espaços e estruturas: abóbadas também rebaixadas, mas de um só pano artesoado e nervuradas em composição de tratamento escultórico distinto. Libertos dos adventícios revestimentos de madeira e gessos pintados, com pequenas douraduras, que na segunda parte do século XIX as abastardaram, estas capelas afirmam-se informativas do que foi o vocabulário decorativo interior em articulação com a gramática arquitectónica original desta Igreja de S Sebastião de P Delgada.
Quanto ao exterior quinhentista, é possível que o frontispício tivesse sido rematado em empena de bico unificador das três naves. Tipologicamente afim, nomeadamente do da alentejana S João de Moura (1502-1510) ou do das Ribatejanas Matriz da Golegã (1513-1520) e Senhora da Marvila, em Santarém, foi de um só portal, virado para poente; outro, em cada alçado lateral do corpo. De mármore o principal e o do lado sul, ao do norte coube o basalto. Para iluminação, a frontaria terá tido três óculos, ao nível das respectivas naves. Em 1545, é possível que já estivesse edificada, ou quase, a torre do relógio, adjacente ao alçado norte da abside, obra determinada dois anos antes, ao custo de 30$000 réis, enquanto a dos sinos, anexa à extrema sul do frontispício, de secção quadrada e calabre de pedra a demarcar a áerea sineira, com eirado de balaústres arrestados por remate, foi obra da responsabilidade de diversos mestres pedreiros e várias vezes interrompida, só sendo concluída cerca de 1624, em tempo do rei Filipe II de Portugal, III de Espanha.
A janela de saída, manietada por coluneto toscano, aberta na face sul desta alta torre e encimada pelas armas reais coroadas, é documento esclarecedor de se estar sob gosto estético maneirista. É que o programa da Matriz de Ponta Delgada, executado a partir de finais do primeiro terço do século XVI e até antes que findassem os meados, pela simplificação da planta, organização da cabeceira e do corpo, volumetria das massas, sistemas de cobertura, iluminação e decorativismo integra-se na evolução dominante das Igrejas nacionais de três naves – com progenitura nos cânones góticos das mendicantes – construídas a partir dos começos do reinado de D Manuel I e até grande parte do de D João III, ainda que neste já em coexistência e com a ceitação de formulário arquitectónico do Renascimento Italiano.
É, pois espacial e estruturalmente arquitectura do Gótico final nacionalizado, em que por isso mesmo, no interior, a maior elevação da nave central não anulou valor de horizontalidade, favorecido pelas proporções e arcaria do primeiro nível, também pelo rebaixamento de abóbadas. A composição da cobertura interior da capela mor lembra o modelo realizado na da catedral de Braga (1509); as outras citadas, nas suas variantes são abóbadas comuns a numerosas Igrejas portuguesas, com extensão às Ilhas: a de S Pedro, por exemplo, identifica-se com o desenho da capela-mor da matriz de Azambuja e da S João da Cruz, em Coimbra; já em território Castelhano é visível no claustro de S Estêvão de Salamanca. A do coração de Jesus tem presença na da Vila da Ega (Distrito de Coimbra), no coro alto da Igreja do Convento de Cristo em Tomar, nos absidíolos e capelas laterais da paroquial de S Sebastião da Terceira, sem que se esgotem os exemplares conhecidos.
Contudo, é nos portais quinhentistas que o Manuelino tem a sua expressão mais elaborada e exuberante, pela diversidade, de estruturas e temas decorativos de proveniência vária. No do frontispício – central actual -, o amplo vão de arco abatido tem desenho , até ao intradorso, de hexágonos túrgidos, ao modo de entrelaçados angulosos pela sobreposição de três colunelos, motivo decorativo com referente no pórtico monumental e janelas da fachada sul da Igreja conventual de Santa Maria de Belém, de Lisboa.
Os contrafortes assentes em envasamento de geometrismo compósito, que se elevam como agulhas de esguios pináculos góticos flamejantes muito acima de estreito nicho renascentista, são os limites de toda a composição. Desenvolvida em profundidade, a justaposição de dois colunelos define-lhe trióbolo superior, de que o arco médio, em querena lanceolada, se destaca dos segmentos de arco pleno terminados por estilizada maçaroca de milho.
Em contraponto, adoça-se ao alçado a irradiação de elementos ornados de vegetalismos esculpidos, também de tradição gótica. Naturalismo de troncos nodosos serve ao conipial topo de outros nichos que abrigam o baixo relevo de anjos apresentando folha desenrolada que tem desenvolvimento sob forma de fustes torsos, de que rompem botões floridos, e são suporte de mais nichos de adopção renascentista. Situando-se à sombra do trilóbulo, temas decorativos de fonte tardo-gótica internacionalizada informam ainda o pórtico principal: anjos alados esvoaçantes, sem a presença de estátua do santo padroeiro, lembrando, porém, por iconografia heráldica, no tímpano oposto ao que tem a pedra de armas reais Joanina. De outro apuro é o portal transversal sul. Mainelado pela elegância de coluna gótica espiralada, arco abatido, de moldura repetida, unifica os dois vãos de volta perfeita que cobrem trióbolo.
Pares de colunelos clássicos laterais, a que os interiores dão continuidade às arquivoltas, definem intercolúnios e intradorsos com ritmo continuo de relevos renascentistas, plateresca mente esculpidos, onde há figuras exóticas, jarros bojudos floridos e mais motivos diversos. Um par de medalhões, lado a lado, são figurações retratistas de homem e mulher de alta estripe, em bustos de alto relevo e iconologia controversa, ainda que se possa admitir representação das pessoas régias contemporâneas da edificação da Igreja. Por sobreposição de elementos do mesmo tipo, o seu remate lembra o de portal principal, assim como os contrafortes que o demarcam. Menos animada foi a organização do da fachada norte, a que não coube o mármore dos atrás referidos, mas tão-somente a pedra escura local. Nem por isso deixa de ser harmonioso, na simplificação que ele toma da parte exterior do portal de D Duarte, no mosteiro da Batalha, atribuído a Mateus Fernandes e datável de 1509. Em datas desconhecidas, mas previsivelmente depois de meados do século XVI, foram introduzidas duas capelas, a primeira das quais, no tramo anterior à de S Pedro e, fronteira a ela, na nave sul, a que contemporaneamente teve dedicação ao Senhor dos passos e antes fora dedicada à Senhora da Glória ou da Assunção, por decisão testamentária de 1572, com vista a nela o encomendador ser sepultado, com lápide de pedra e brasão de família gravado, o que no seu espaço já não existe.
Ambas já foram recuperadas dos revestimentos chinfrins oitocentistas, permitindo conhecer; Na da nave norte, o arco de volta inteira do seu acesso, assim como abobada de cruzaria estrelada quadrangular e angulosa, de desenho afim, nomeadamente, do da capela-mor da matriz de Góis e da Igreja de S Marcos (Distrito de Coimbra). Na sua oposta, espacial e estruturalmente renascentista, o mesmo tipo de arco mas sobre pilastras com capiteis de lombo arredondado; a cúpula de semiesférica reticulada elevando-se de tambor oitavado, com pendentes em cada ângulo do plano cúbico e lanternim rasgado de frestas emergindo do cento. Um outro acrescento, mais tardio, foi no tramo da nave norte, sob o coro, a capela das almas, que antigamente servia de baptistério em tempos não distantes, com pilastras, extradorso e intradorso do arco redondo compartimentados por almofadas de pedra. Por isso e pela cúpula de quatro panos arestados exteriormente, com lanternim cego e cruz sobreposta que a distingue será, porventura, de um século XVII avançado, em que no ano de 1670 o adro da Igreja foi finalmente murado no lado sul, com nove dependências. Aludiu-se, já, ter havido intervenções no século XVIII.
De entre elas, a sacristia de há muito em mau estado de conservação, foi em 1722 a 26 reconstruída e, pouco depois, renovada de paramentos e alfaias, aplicando-se-lhe nas paredes painéis de azulejos, que antes da capela mor já recebera e que o século XIX deu sumiço. Foi tempo de introdução de talha barroca. Em estilo nacional o retábulo principal e ao gosto Joanino, a que o entalhador André de Fontes executou para decoração do arco cruzeiro, cuja a ultima prestação lhe foi paga em 1750. Entretanto arruinada que estava a torre do relógio, o Munícipe não entendeu melhor solução, senão determinar, em 1723, a sua demolição. Um modo de ver assim o património que vulnerou esta Igreja Matriz quinhentista que infelizmente teve continuidade em mais desatinos. De modo particular, a decisão do visitador, de 1726, de um novo frontispício e elevação dos alçados laterais até ao nível da nave central, acções sobre que insistiu o de 1729, acrescidas de outras que vitimaram os tectos da cabeceira e das naves.
Em síntese, telhado de águas no corpo da Igreja, com emparedamento das frestas, substituídas por feias janelas, o que na década de 1960 voltou à organização primitiva, mantendo-se no entanto, a frontaria setecentista. Esquema, no tempo, de arcaizante retábulo maneirista, introduziram-lhe, porém, portais de moldura barroca, ladeando o pórtico manuelino, janelas com colunelos de aproximação pseudo-salomónica e aletas contracurvadas e espiraladas a debruar o remate superior. Assim afirma-se a obra híbrida, em que a pretendida animação barroca, aplicada à justaposição caligráfica dos espaços repartidos e chãos, se mistura, igualmente com a gramática e vocabulário estrutural e decorativo do pórtico original. Esta infeliz campanha de obras, quando reinava D João V, consumou-se assim na descaracterização arquitectónica manuelina na maior cidade açoriana. No século XIX constitucional, a partir da década de 1870 e até entrada a centúria seguinte, notáveis membros da confraria do Santíssimo, acordados com a Juntas de Paróquia de então, teceram o que chamaram plano de melhoramento e reparo, principalmente para embelezamento interior.
Abundam madeiramentos e engessaduras pintadas e douradas, marmorizações e quejandos emblemas de gosto chinfrim desta elite social. Das atrocidades cometidas e ainda presentes, o realce cabe ao revestimento da pedra lioz, com que foram aparelhadas as colunas que dividem as naves, por gesso com pintura imitando mármore nos fustes, alargado aos arcos que nelas se apoiam. Já em 1895, empoleiram-lhe o actual corpo de relógio, com ele acentuando-se a desmedida da altura da torre sineira. O epílogo chegou-lhe com a destruição – precedendo a visita régia de Julho de 1901 – do adro, com suas nove dependências abobadadas, em troca da anódina escadaria que actualmente se apresenta. Este acto foi de par com a demolição dos açougues quinhentistas ritmados de arcada, com platibanda, que cerrava a Praça desde as Portas da Cidade, quando elas cumpriam a função de entrada a quem desembarcava no chamado cais da terra.