O primeiro compromisso para a construção de uma igreja na
Serreta data de 13 de Setembro de 1772, quando os irmãos da Confraria dos
Escravos de Nossa Senhora se congregaram nas Doze Ribeiras, em casa do
vice-vigário Miguel Coelho, para realizar a festa daquele ano. Assentaram na
ocasião que se deveria proceder à reedificação da antiga ermida da Virgem, no
lugar próprio da Serreta, ficando o padre Rogério José da Silva encarregue do
património e os irmãos com a obrigação de contribuírem para a obra. Dando o
exemplo, o então capitão-general dos Açores, D. Antão de Almada, abriu a
subscrição doando 50$000 réis do seu bolso.
Contudo, apesar do voto solene e da presença de tão ilustres
benfeitores, as obras da igreja não arrancaram e, em 1797, decorrido um quarto
de século da formulação do voto, nada se fizera. Bernardino José de Sena
Freitas afirma:
"Por motivos que nos são ignotos ainda vinte e cinco
anos depois daquela deliberação não estava reedificada a ermida, conservando-se
a imagem da Senhora dos Milagres na igreja de S. Jorge: e até parece que ou
esta devoção esfriara, ou a solenidade esteve interrupta por alguns anos; pois
no citado livro desta Irmandade não encontrámos assentos posteriores ao ano de
1782; até que no ano de 1797 se acha um outro voto, não só revalidando o
primeiro para perpetuidade da festa anual, começada em 1764, mas obrigando-se
os novos irmãos ao cumprimento do assento exarado em 1772, para que de feito se
levantasse uma nova ermida na Serreta para nela ser venerada a Senhora dos
Milagres."
Este novo fervor parece ter sido suscitado pelos ecos da
Revolução Francesa e pela nascente ameaça napoleónica, que prenunciava um clima
de guerra na Europa. A nível local, este enquadramento político traduzira-se na
determinação para que o capitão-general dos Açores procedesse ao recrutamento
de 5 000 jovens açorianos para reforçar o exército real, incumbindo-se desse
destacamento o sargento-mor de artilharia da Corte Maximiliano Augusto
Chermont. Este recrutamento, que espalhou o receio e a consternação nas ilhas,
foi justificado pela rainha D. Maria I de Portugal, em carta datada de 31 de
Outubro de 1796 e dirigida ao bispo e outras entidades oficiais, com a
necessidade de "conservar ilesa a dignidade do meu real trono, e salvar os
meus fiéis vassalos do risco, a que podem ficar sujeitas as suas vidas e
propriedades". Entretanto, nem os temores da população e nem o
envolvimento da nobreza angrense lograram o cumprimento do voto, e a construção
da igreja da Serreta continuou por arrancar.
A obra apenas foi principiada em 1819, por iniciativa do
general Francisco António de Araújo, então nomeado capitão-general dos Açores,
que para além da devoção à Senhora dos Milagres se apercebeu que o crescimento
populacional do lugar exigia templo próprio. Lançada solenemente a primeira
pedra, as paredes começaram a ser erguidas, estando a obra em curso quando o
mandato daquele capitão-general foi dado por terminado na sequência da nomeação
de Francisco de Borja Garção Stockler e da Revolução Liberal do Porto (1820). A
instabilidade política que se seguiu levou à paralisação da obra, que
permaneceu inacabada durante todo o período da Guerra Civil Portuguesa
(1828-1834).
Finalmente, depois de tantos contratempos, José Silvestre
Ribeiro, administrador do recém-criado Distrito de Angra do Heroísmo, assumiu a
necessidade de se concluir a nova igreja, reiniciando as obras, custeadas com
donativos e as esmolas vindos de todos os recantos terceirenses.
O templo, o terceiro na Serreta consagrado à Senhora dos
Milagres, ficou concluído em 1842, recebendo a imagem venerada após mais de um
século de permanência na igreja de São Jorge das Doze Ribeiras. Para tal, José
Silvestre Ribeiro oficiou ao cónego Manuel Correia de Ávila, ouvidor
eclesiástico de Angra, para se proceder à abertura ao culto da nova igreja. Sem
alçada para decidir, o ouvidor enviou o pedido ao bispo D. Frei Estêvão de
Jesus Maria, então residente na ilha de São Miguel devido ao seu apoio aos
miguelistas durante a guerra civil, que assentiu.
A bênção da nova igreja e a solene transladação da imagem
realizaram-se a 10 de Setembro daquele mesmo ano. A cerimónia foi presidida
pelo cónego Manuel Correia de Ávila. Segundo um testemunho da época,
"Jamais no meio de tanto sossego e prazer se praticou um acto tão solene e
tão pomposo. Milhares de pessoas concorreram de todas as partes da ilha àquele
lugar". O ponto alto foi a celebração da primeira missa, "que vários
curiosos cantaram a vozes e instrumentos", estando presentes o governador
civil José Silvestre Ribeiro e demais autoridades e pessoas de representação.
O novo templo, localizado no largo onde hoje se situa o
Império do Divino Espírito Santo da Serreta, do lado oposto da estrada em
relação à actual igreja, era de proporções modestas, com fachada virada para
leste (para terra) e torre à direita provida de dois sinos. No interior tinha
uma só nave, duas sacristias e outras tantas tribunas, uma das quais à direita
do altar-mor e outra sobre o guarda-vento.
Aberta a igreja, culto à Senhora dos Milagres cresceu
rapidamente, passando a atrair à Serreta grande número de forasteiros, nos
quais se incluía a melhor burguesia angrense, que, em carros de bois e
carroças, se deslocava até à localidade, hospedando-se nas casas ali
existentes. Em consequência, para além da vertente religiosa, as festas
ganharam uma parte profana que, naturalmente, incluía uma toirada à corda. A
primeira realizou-se na segunda-feira, 10 de Setembro de 1849, em complemento
do programa religioso e por iniciativa do mordomo daquele ano, o fidalgo João
Pereira Forjaz de Lacerda. A tradição das festas terem um mordomo da
aristocracia angrense, que as fazia a expensas suas, no espírito do voto de
Escravos de Nossa Senhora, perdurou pelo menos até ao ano de 1868, em que foi mordomo
o morgado João de Bettencourt Correia e Ávila, depois 1.º visconde de
Bettencourt.
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